“Clínica de
repouso” de Dalton Trevisan
Dona Candinha deparou na sala o moço no sofá de veludo e
a filha servindo cálice de vinho doce com broinha de fubá mimoso.
Mãezinha, este é o João.
Mais que depressa o tipo de bigodinho foi beijar a mão da
velha, que se esquivou à gentileza. O mocinho servia o terceiro cálice, Maria
chamou a mãe para a cozinha, pediu-lhe que aceitasse por alguns dias.
Como pensionista?
Não, como hóspede da família. Irmão de uma amiga de
infância, sem conhecer ninguém de Curitiba, não podia pagar pensão até
conseguir emprego.
Dias mais tarde a velha descobriu que, primeiro, o
distinto já estava empregado (colega de repartição de Maria) e, segundo, ainda
que dez anos mais moço, era namorado da filha. A situação desmoralizava a velha
e comprometia a menina. Dona Candinha discutiu com a filha e depois com o
noivo, que achava a seu gosto a combinação.
Sou moço simples, minha senhora. Uma coxinha de frango é
o que me basta. Ovo frito na manteiga.
Dona Candinha os surpreendia aos beijos no sofá. A filha
saia com o rapaz, voltavam depois da meia-noite. Ás três da manhã a velha
acordava com passos furtivos no corredor.
Você põe esse moço na rua. Ou tomo uma providência.
A senhora está louca.
Maria era maior, podia entrar a hora que bem quisesse, a
velha estava caduca. Assim que a filha saiu, dona Candinha bateu na porta do
hóspede, ainda de pijama azul de seda com bolinha branca:
– Moço, você ganha a vida. Tem como se manter.trate de ir
embora.
De volta das compras (delicadezas para o príncipe de
bigodinho), a filha insultou dona Candinha aos gritos de velha doida, maníaca,
avarenta.
Não vai me dar nem um tostão para esse pilantra. Ai,
minha filha, como me arrependo do dia em que noivou.
Maria nem pode responder:
– Eu, sim, me arrependo do dia em que a senhora casou.
Sentiu-se afrontada a velhota, com palpitação, tontura,
pé frio. Arrastou-se quietinha para a cama, cobriu a cabeça com o lençol:
– Apague a luz – ela gemeu – que vou morrer.
Susto tão grande que o rapaz decidiu arrumar a mala.
Manhã seguinte a velha pulou cedo, alegrinha espanou os elefantes coloridos de
louça. A filha não almoçou e antes de bater a porta:
O João volta ou saio de casa. A vergonha é da senhora.
Dona Candinha fez promessa para as almas do purgatório.
Tão aflita, em vez de rezar dia por dia, rematou a novena numa tarde só.
– Menina, não se fie de moço com dente de ouro.
– Lembre-se, mãe, a senhora me despediu.
– Vá com seu noivo. Depois não se queixe, filha ingrata.
De tanto se agoniar dona Candinha caiu de cama.
– A senhora não me ilude. Finge-se doente para me
castigar. Com este calor debaixo da coberta.
– Muito fraca. Eu suo na cabeça. O pé sempre frio.
Deliciada quando a moça trazia chá com torrada. Terceiro
dia, a filha inrompe no quarto, escancara a janela. Introduz o gordo perfumado:
– O médico para a senhora.
O doutor examinou-a e, para o esgotamento nervoso,
receitou cura de repouso.
– A senhora vai por bem – intimou a filha – ou então à
força.
Queria o convento das freiras e não o hospital, que lhe
recordava o falecido, entrevado na cadeira de rodas. Umas colheradas de canja,
cochilou gostosamente. Às duas da tarde, o aposento invadido pela filha, o
noivo e um enfermeiro de avental sujo.
É já que vai para a clínica.
Eu vou se não for asilo de louco. Bem longe do doutor
Alô.
Um táxi esperava na porta, o noivo sentou-se ao lado do
motorista, ela apertada entre a filha e o enfermeiro. Quando viu estava no
Asilo Nossa Senhora da Luz, perdida com doida, epilética, alcoólatra.
Nunca entra sol no pavilhão, a umidade escorria da
parede, o chão de cimento. De noite o maldito olho amarelo sempre aceso no fio
manchado de mosca.
– Quem reclama – era o sistema do doutor alô – ganha
choque!
Ao menor protesto ou queixume:
Olhe o choque, melindrosa! Olhe a injeção na espinha!
Olhe a insulina na veia!
Um banheiro só e,depois esperar na fila, aquela imundície
no chão e na parede. A louquinha auxiliava a servente que, essa, fazia de
enfermeira. Intragável o feijão com arroz, dona Candinha sustentava- se a chá
de mate e biscoito duro. Engolia com esforço o caldo ralo de repolho.
Vinte e dois dias depois recebeu a visita da filha, o
noivo fumava na porta.
A senhora fazendo greve de fome?
Na minha casa o arroz é escorrido, o feijão lavado.
Só de braba não come.
Daí a tortura da sede. Servia-se da torneira no banheiro,
não é que uma possessa vomitou na pia? Foi encher o copo, deu com tamanho
horror. Embora lavada a pia, guardou a impressão e sofria a sede.
– Doidinha eu sou – disse uma das mansas – Meu lugar é
aqui. Mas a senhora fazendo o quê?
Uma lunática oferecia-lhe bolacha e fruta. Mandou bilhete
na sua letra caprichada, a filha só apareceu domingo seguinte.
A senhora não está boa. Nem penteia o cabelo. Não
cumprimenta o doutor Alô.
Essa ingratidão não posso aceitar – e abafava o soluço no
pavor do choque – Não sou maluca e sei me mandar.
– Prove.
– Com o túmulo de seu pai. Já pintado de azul.
Instalado na casa, o noivo regalava-se com ovo frito na
manteiga,coxinha gorda de frango.
Quem não come – advertia a servente – vai para o choque!
Dona Candinha encheu-se de coragem e choramingou para a
freira superiora que não tomava sol, sofria de reumatismo, com a gritaria das
furiosas que podia dormir?
Ao cruzar a enfermaria, a freira chamou uma das bobas
– Você é nova aqui?
– Entrei ontem , sim senhora.
– Se tiver alguma queixa, fale com dona Candinha. – e
batendo palmas de tanta graça. – é a palhaça do circo.
A servente largava o balde e o enxergão, sem lavar as
mãos aplicava insulina na veia de uma possessa. Dona Candinha fingia tossir e
cuspia a pílula escondida no buraco do dente.
Chorando de manhã ao se lembrar do tempo feliz com o
finado. À noite, chorava outra vez: menina tão amorosa, hoje feroz inimiga. Não
doía ter sido internada. – culpa sua não sair da cama – Mas sabendo o que
sofria, a moça não a tirasse dali.
Minha própria filha? Estalou baixinho a língua
ressequida. – que não me acudiu na maior precisão? Surpreendida rondando o
portão, confiscaram-lhe a roupa, agora em camisola imunda e chinelo de pelúcia.
?Sem se aquecer ao sol, sobrevivendo aos golinhos de chá frio e bolacha Maria.
Tão fraca nem podia ler, as letras embaralhadas mesmo de óculo.
– Olhe essa mulher, doutor – era a filha, vestido preto
de cetim, lábio de púrpura, pulseira prateada. –domingo de sol, uma pessoa
deitada? O dia inteiro chorando e se queixando. Aqui não falta nada, que mais
ela quer?
– Vá-se embora – respondeu docemente a velha. Desapareça
de minha vista. Você mais o dente de ouro.
– De dia o rádio ligado a todo volume. À noite, a
gritaria furiosa das lunáticas. Sentadinha na cama, distrai-se a velha a espiar
uma nesga de céu. Com paciência, amansa uma mosca nas grades, que vem comer na
sua mão arrepiada de cócegas. Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a
mosca por entre as grades da janela.
Questões:
1)
O
conto “Clínica de repouso” de Dalton Trevisan retrata uma família em conflito.
Qual é a origem do conflito?
2)
Os
desentendimentos eram constantes entre mãe e filha. O que fez a filha para se
livrar dos atritos?
3)
O
doutor Alô diagnosticou alguma doença em dona Candinha? Qual?
4)
Como
é descrita a clínica de repouso?
5)
Vários
fatores contribuíram para o falecimento de dona Candinha. Cite alguns.
6)
Dona
Candinha mereceu o tratamento que lhe fora dado pela filha e o genro?
Análise da narrativa. Descreva:
1)
O
narrador
2)
O
tempo
3)
O
espaço
4)
As
personagens.
Formato de entrega:
Respostas manuscritas em folha de papel almaço.
Data de entrega:
Até 25 de Março de 2013.
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