sábado, 24 de setembro de 2011

TEXTOS PARA ATIVIDADE DE PORTUGUÊS - 3º ANOS - Prof Verônica

TEXTO I
Bagunça ética
Ivan Angelo


Os sinais se multiplicam. Carros com motoristas embriagados atropelam pedestres até nas calçadas, ampliam estatísticas de morte nas estradas. Gangues de punks e de nazicarecas espancam gays e cidadãos pacíficos nas ruas. Policiais executam detidos, dão tiros em ônibus onde há passageiros sequestrados. Mulheres dão à luz e jogam bebês no lixo ou no córrego. Cuidadores espancam velhinhos doentes indefesos. Padrasto bêbado atira criança de 2 anos na parede e ela morre. Jovens espancam até a morte rapaz na porta da boate.
Isso não acontece do nada, veio sendo gerado e disseminado; há algum tempo percebem-se sinais de exasperação na linguagem da sociedade.
Nos lugares mais cândidos, surpreende-se o aparato dessa exasperação; por exemplo, numa loja de brinquedos. Aqueles pequenos módulos coloridos de plástico, com os quais se montavam homenzinhos e casas, agora formam também alienígenas agressores e artefatos de guerra. Há nas lojas de crianças uma quantidade incrível de monstros, de armas que disparam dardos como metralhadoras, de automóveis que se transformam em robôs de combate.
A música funk é agressiva, no ritmo e nas palavras.
Físico bom é o dos bombados e sarados, os que se impõem, prontos para qualquer coisa. Que que é, vai encarar?
Cão para impressionar a garota já não é aquele para o qual se atirava uma bola ou um pedaço de madeira e ele os trazia festeiro, é o pit bull de grossa coleira de pinos.
Nos filmes, o lado de dentro dos corpos fica para fora. Tudo é explícito: o sangue, a amputação, a perfuração, a descarnadura — para que todos se acostumem, para banalizar o horror.
Os esportes se abrutalham. Futebol é correria, tranco e carrinho; proibido o drible moleque. Vôlei é aquela pancada e preparação para ela. Até o esporte antes considerado o mais violento, o boxe, que já havia abandonado a arte da esquiva e da dança dentro do ringue, em favor da pancada seca dos lutadores de cintura dura, na era Mike Tyson, até o boxe, repito, foi superado por outro espetáculo de maior violência, no qual valem socos, cotoveladas, joelhadas, pernadas, pé na cara, enforcamento, cujo objetivo é o massacre do adversário, mesmo caído.
As tardes da televisão são de horrores. Apresentadores selecionam e exibem atrocidades com a pretensão de “mostrar a realidade”. Só aquela que lhes convém.
A violência explícita das pancadas, dos tiros e das perseguições de carros que se destroem pelas ruas é reforçada por outra, mais insidiosa, presente no jeito estúpido de falar, aos berros, de dirigir, agressivamente, e de amar, aos trancos. Repare nas novelas, como as pessoas se tratam aos berros, mesmo dentro das famílias. A montagem dos filmes é nervosa, tensa, reforçada pela música e pelos efeitos sonoros agressivos, buscando impacto, choque. O filme agride até quem fica de olhos fechados. Aqueles feitos para as crianças seguem o currículo dessa escola.
O pior do pior é que a violência é praticada tanto pelo mal quanto pelo bem. Aplicada com sadismo pelo mocinho contra os bandidos, torna-se uma ação positiva, para olhos ingênuos. O herói bate, mata e até tortura em nome do bem. Por extensão, quem é do bem também pode espancar, assassinar e torturar, como os do mal. E aí estamos a um passo da bagunça ética.


Fonte: Veja São Paulo, 14/Setembro/2011

TEXTO II
Educação: reprovada
Lya Luft


Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
 Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.
Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.
Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.


Fonte: Veja São Paulo, 14/Setembro/2011

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

LEITURA PARA PROVA DE PORTUGUÊS 3º ANOS A e B - Profª Verônica

Gustavo Ioschpe
Você acha que as escolas particulares brasileiras são boas?
Os pais com filhos em escolas privadas precisam saber que não é possível criar uma ilha da fantasia que produz prêmios Nobel em meio a um sistema público esfacelado.

Eu tive o privilégio de estudar em boas escolas particulares. Só quando fui cursar uma universidade de ponta nos Estados Unidos é que entendi quão deficiente minha escolaridade havia sido.
Meus colegas indianos haviam lido Shakespeare e Dante para a escola. Na minha, lemos Lima Barreto e Adolfo Caminha. Os chineses e os russos tinham uma intimidade com a matemática que lhes permitia visualizar a relação entre equações e as formas espaciais que elas descreviam. Para mim, matemática era só pegar lápis, papel e resolver um problema. Os dados estatísticos mostram que as deficiências da minha escola são compartilhadas por milhões de alunos de todo o país.
No Enem de 2008 (inacreditavelmente, o último ano disponível), as escolas privadas atingiram a média de 56 pontos, em uma escala que vai até 100. Ou seja, mesmo nessas escolas os alunos dominam pouco mais da metade das habilidades que deveriam. Se olhamos para o Pisa, o teste internacional de educação mais respeitado do mundo, que mede o aprendizado de jovens de 15 anos, os problemas são parecidos. O desempenho em leitura dos 25% dos alunos brasileiros mais ricos é inferior ao desempenho do aluno médio dos países desenvolvidos e é também inferior ao dos 25% mais pobres de lugares como Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e Xangai. Se comparamos o desempenho dos 10% mais ricos do Brasil com o dos 10% mais ricos dos países desenvolvidos, a diferença que nos separa é equivalente a quase um ano de escolaridade. É como se a elite daqueles países estudasse um ano inteiro a mais que a nossa. Esses resultados ficam mais visíveis no ensino médio, mas as dificuldades começam antes. A recente Prova ABC, com crianças de 8 anos, mostrou que já nessa idade 21% dos alunos de escolas privadas não alcançam o desempenho mínimo esperado em português e 26% em matemática.
Como se explica, então, que a maioria dos pais de alunos das escolas privadas esteja satisfeita com a qualidade da escola dos filhos e que não se vejam muitos movimentos pela criação de mais escolas de ponta na rede privada que se equiparem àquelas dos países desenvolvidos? Suspeito que a resposta tenha muito a ver com algo que os alemães magistralmente chamaram de Schadenfreude: a satisfação diante da desgraça alheia. Os pais com filhos em escolas privadas se satisfazem com o fato de a educação pública ser ainda pior. Se no Enem as escolas privadas só chegam a 56 pontos, as públicas não passam de míseros 37. Se na Prova ABC um em cada cinco alunos das escolas privadas não atinge o nível esperado de aprendizado, o que dizer dos alunos da escola pública, em que mais da metade não atinge esse nível em leitura e dois terços em matemática?!
Se você é um típico pai ou mãe de aluno de escola particular, é grande a possibilidade de que ache que já está fazendo tudo o que pode ao trabalhar duro para pagar uma boa escola. O aprendizado, você acha que é obrigação da escola. Cada vez que você lê sobre alguma avaliação educacional, acha que o problema é de quem estuda em escola pública. Ao ver os resultados desses testes e não encontrar a escola de seu filho nas piores posições do ranking, você tem a reconfortante sensação de que seus esforços estão dando resultado, de que, na competição que é o mundo moderno, a educação que você consegue oferecer a seu filho já lhe dá uma grande vantagem.
Tenho más notícias. Primeira: os tempos mudaram, e a arena de competição desta geração não é mais o Brasil, mas o mundo. Se seu filho for despreparado, vai perder o emprego para um indiano, australiano ou chinês. Você talvez sinta pena dos alunos das escolas públicas, mas os chineses e finlandeses sentem pena de você. Segunda: o desempenho superior da escola de seu filho se deve mais a você do que à escola. Naercio Menezes, do Insper, fez uma análise econométrica dos dados do Saeb e nela demonstra que dois terços da diferença de desempenho entre os alunos das escolas públicas e os das particulares são atribuíveis ao nível socioeconômico dos pais. As escolas privadas não são muito melhores do que as públicas. A grande diferença é que atendem um público mais pronto para aprender.
Por que esse déficit de qualidade, mesmo na rede paga? Primeiro, porque o sistema brasileiro de formação de professores é péssimo. A futura professora sai da faculdade despreparada. A escola particular ainda tem uma certa vantagem por poder contratar os melhores, pagar a cada um de acordo com o seu desempenho, demitir os piores e impor métodos e cobranças. Assim consegue uma vantagem, mas não tem como tirar leite de pedra. Em segundo lugar, a escola sofre com a pouca cobrança e participação dos pais. Se os pais desencanam do aprendizado dos filhos, o horizonte de possibilidades da escola é reduzido.
Quais as consequências práticas? Os radicais de esquerda, que praguejam contra a “mercantilização do conhecimento” e pregam a estatização do ensino, devem saber que as escolas privadas representam, sim, um ganho de aprendizagem para seus alunos, ainda que menor do que se imagina. A hipótese de que a rede privada prejudica a rede pública não se confirma. Estudos em diversos países mostram que a concorrência com o sistema privado faz bem às escolas públicas, aumentando sua qualidade e elevando o salário dos professores, mas na maioria dos casos o impacto é pequeno. (Os estudos estão disponíveis em twitter.com/gioschpe.)
Também erram aqueles que acham que a privatização do ensino seria a panaceia. Um estudo sobre o sistema chileno, que privatizou grande parte de sua educação básica, mostra que o caminho preferido das escolas para competir é a seleção dos alunos. Se a escola consegue atrair os melhores, provavelmente será a melhor. Dificilmente o Brasil daria o salto educacional de que precisa apenas com a privatização das escolas: haveria grande concorrência pelos melhores alunos, mas isso não necessariamente melhoraria o nível do ensino como um todo. Sem falar no papel da escola como ambiente socializador e desenvolvedor de uma identidade nacional. Ou seja: o sistema misto e liberal do Brasil está no caminho certo e deve ser protegido dos ideólogos.
No plano micro, quais as lições aos pais? Em primeiro lugar, a de que precisam participar mais da educação dos filhos e se preocupar mais com o aprendizado em termos absolutos e menos com a vantagem da escola deles em relação à escola de seus amigos ou às escolas públicas em seu redor. E, mais importante, os pais precisam saber que não é possível criar uma ilha da fantasia que produz prêmios Nobel em meio a um sistema público esfacelado. Pois é o sistema público que forma os professores de seus filhos. Precisamos pensar como país, encarar o problema de forma sistêmica. Ou resolvemos o problema de todos, ou vamos acabar não resolvendo o de ninguém. No ano que vem haverá eleição municipal. Que tal escolher seu candidato com base no desempenho das escolas que ele já administrou?